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A Páscoa e o jogo do Pião

 

 

A Sexta-feira Santa era um dia medonho, de luto carregado e de silêncio pesado.

O longo sermão do Calvário proferido com voz inflamada pelo sacerdote com capa preta e chapéu de três bicos, constituía uma acusação terrível à consciência dos fiéis que, perante o Senhor morto, se sentiam implicados no desfecho trágico de Jesus.

Sujeitas a um rigoroso jejum, as crianças, durante as longas cerimónias, desesperavam, horas a fio, com o estômago a dar horas e nem a água as reabilitava nos chiliques frequentes que sobressaltavam as devotas mulheres.

O cerimonial litúrgico fúnebre só terminava após a procissão do enterro, onde as três marias, de cara coberta, atrás do esquife, entoavam o “Oh vos omnes” e mostravam aos fiéis consternados o pano que limpou o rosto  ensanguantado do Senhor, no caminho para o Calvário.

Na nossa inocência, julgávamos que tinhamos perdido um ente querido, pois as mulheres não continham as lágrimas e todos vestiam de negro, de alto a baixo.

No dia seguinte, Sábado de Aleluia, esquecia-se a tristeza da paixão e o jejum da véspera.

A partir do meio dia, sentia-se dos portões para dentro e sobretudo nas ruas, uma movimentação pascal, traduzida no jogo do pião.

Durante a Quaresma, eramos impedidos de jogar com o pretexto de se estar a ferir a cara de Jesus, e nós acreditavamos nessa piedosa justificação. 

Enquanto o sábado não chegava, adquiríamos os peões grandes e pequenos. Os melhores eram feitos por artesãos/baleeiros, em madeira de bucho, pela sua rigidez. As melhores fieiras viam da América e também serviam para coser as velas de lona dos botes. Quem não as tinha sujeitava-se a não controlar o pião e a vê-lo voar sem destino e a fazer um galo na cabeça de alguém.

Com os bolsos abaulados de piões e fieiras, o destino era a rua, praça de renhidas contendas.

Os mais ágeis, divertiam-se, por pirraça e orgulho, combatendo os piões mais frágeis, até os racharem. Era o pior que podia acontecer a um jogador, por ver-se privado do brinquedo que, com tanto custo e empenho, tinha conseguido.

Segundo os estudiosos, o pião é : O pequeno objecto de madeira, em forma de pera invertida, tendo na ponta um espigão feito com um prego de ferro ou cobre, poderá ser um dos brinquedos mais antigos da humanidade. 

“Na Babilónia foram encontrados piões de argila, decorados. Nas escavações de Pompeia também foram descobertos alguns, remontando a cinco séculos antes de Cristo. Na Grécia e em Roma, Calímaco, Virgílio, Horácio e Plínio citam-no nas suas obras.

Ainda segundo a wikipédia, em muitos povos indígenas de diversas partes do globo são encontradas diversas variantes do pião.
Em Portugal há referências a este jogo como fazendo parte da sociedade do século XV.”

Não admira pois que, na sociedade rural açoriana dos anos 50, o jogo do pião movimentasse tanto a rapaziada da minha idade e estivesse tão diretamente ligado à Páscoa.

Hoje, apesar de já não se jogar ao pião no meio da rua, a Ressurreição de Jesus - acredite-se ou não - , continua a ser um facto histórico de assinalável importância que marca esta sociedade secularizada e globalizada.

Novos tempos, novos brinquedos, mas o pião ficará sempre associado à Páscoa. 

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